LAGO-
Liga Acadêmica de Ginecologia e Obstetrícia – Araguari-MG
HUMANIZAÇÃO
DO PARTO: UM BREVE HISTÓRICO
Autor: Aurora de Fátima Andrade Dutra
Resende, acadêmica do 9° período de Medicina- UNIPAC-Araguari - MG e 1º
secretária da LAGO – Araguari – MG
Co-autor: Reinaldo Francisco dos Santos
Junior, presidente da LAGO e vice-presidente da FEBLIGO – Federação Brasileira
das Ligas de Ginecologia e Obstetrícia
O
ato de parir deveria ser visto como um processo natural, como durante muito tempo
o foi, em ambiente domiciliar, acompanhado por parteiras, mulheres que detinham
apenas um conhecimento empírico, que era perpetuado de mãe para filha, de
geração em geração. Essas mulheres do povo eram pessoas de confiança e
passavam a exercer influência nas comunidades às quais residiam.
No
início do século XVIII, com as descobertas científicas, o parto extrapolou os
quartos aconchegantes das casas, e passou a despertar o interesse e
a curiosidade da Ciência, exercida na sua totalidade por homens, apesar dos
obstáculos de ordem moral impedirem a entrada de homens nos aposentos
femininos. Somente após esse século, a participação masculina direta na
assistência ao parto passou a ser algo aceito pelos costumes sociais.
Com
a descoberta do mecanismo da ovulação, houve um marco na transformação do
atendimento ao parto, e a concepção de que a mulher, que passou a ser vista
como alguém de delicada constituição, necessitaria então de intervenção médica.
Surge
desse novo conceito, a Obstetrícia como saber científico, atribuindo ao médico
poder exclusivo no atendimento à mulher e ao parto, desqualificando o saber
empírico e a atuação das parteiras.
Com
o avançar do século XIX, iniciam-se as atividades ditas profissionais de
assistência à parturiente, institucionalizando o processo do parto não só para
médicos, mas também incluído-se as parteiras, e dessa forma, mudando seu jeito
de atuar, e principalmente o lugar de atuação, antes ocorrente em
domicílio, e à partir daí transferido para os hospitais,
incorporando aos seus conhecimentos populares e seus ritos de passagem, a
técnica médica, apoiada nos preceitos científicos ainda recentes.
À
partir de então, o parto passaria a ser um procedimento médico. A forma de
vivenciar o nascimento de um novo ser, sem o uso de tecnologias, respeitando a
individualidade e os limites impostos pelo corpo passou a ser visto como algo
primitivo e arriscado em relação à saúde do binômio mãe e filho.
A
Medicina apropria-se então do corpo feminino, assim como sempre o fizera a
Religião, mais especificamente a Igreja, obtendo dessa forma acesso à
intimidade da mulher, com objetivos justificados pelo cuidado do corpo e da
alma.
A
mulher, submissa, se entrega a essa nova condição, gentilmente, com
simplicidade e confiança, delegando à Medicina o poder sobre seu próprio corpo,
perdendo assim o direito de escolher como será vivido e vivenciado o momento
mais importante de sua vida.
Essa
nova consciência de desnaturalização de um processo antes absolutamente
biológico, portanto natural, fez com que a grande maioria delas aceitasse e
acreditasse que todo e qualquer procedimento invasivo fosse justificado por se
acreditar que só houvesse benefícios nessa nova abordagem, embora também estes
causassem dor e sofrimento.
Desde
então, foi aferido ao profissional de saúde o direito de "manipular"
a parturiente, justificado pelo enfoque biológico e a visão do útero
sujeito à processos patológicos, aliado à técnicas cirúrgicas em detrimento aos
valores até então cultuados, repletos de intuição, crenças, valores e sabedoria
ancestral.
As
mulheres foram retiradas sutilmente de seu papel natural de protagonistas, e
delegadas à simples e meras coadjuvantes na cena de parto.
Estas
foram perdendo o domínio e a força de todo o processo de gerar e parir os seus
rebentos e silenciosamente, cederam ao jugo de uma nova forma de viver o ato de
parir.
No
século XX, a Medicina, justificada pela redução de prováveis riscos e
diminuição na mortalidade materno-infantil, institucionalizou o parto como
procedimento cirúrgico, acrescentando-se a essa norma o uso de fórceps, criado
por Chamberlain, e a posição de decúbito dorsal como sendo a ideal para que se
faça o parto, posição essa instituída por Mauriceau, incluindo a
instrumentalização e o uso de tecnologias, para facilitar o trabalho
médico.
Desde
então, vê-se crescente diminuição no índice de mortalidade materna, e ter seus
filhos em hospitais passou a ser sinônimo de segurança, com total aceite da
sociedade.
A
Medicina proclamou o hospital como o local apropriado para que se aconteça o
parto, que deixa então de ser um ato fisiológico, passando desde então à
procedimento médico- cirúrgico.
Daí,
quanto mais tecnológico o parto, maior a segurança.
Cria-se,
em 1984, o PAISM, Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, e desde essa
época, pouco se caminhou no sentido de devolver à mulher a autonomia sobre seu
corpo.
Obviamente
que existem benefícios no uso de tecnologias na assistência ao parto de alto
risco e à sobrevida materna e neonatal; mas o seu uso abusivo e excessivo,
principalmente em partos de baixo risco e com pré- natal sem
intercorrências, gera controvérsias. A valorização em demasia da tecnologia,
trouxe repercussões negativas e iatrogênicas na vida das mulheres.
A
atitude do profissional que presta assistência à parturiente precisa ser sutil
e delicada, visando entender e apoiar os momentos de dor pela contratilidade
uterina, seus gritos e gemidos.
Contudo,
o que comumente se observa é um distanciamento do profissional
quando da realização de procedimentos invasivos, onde muitas das vezes não há
pedido de licença e sequer sabe-se o nome da parturiente nos procedimentos que
antecedem o momento do parto.
Humanizar
significa acolher a parturiente, com respeito à sua individualidade, oferecendo-lhe
ambiente seguro, e evitando a intervenção em processos naturais com tecnologias
desnecessárias.
Implica
nesse processo mudanças na filosofia de vida, na percepção de si e do outro,
enquanto seres humanos.
A
sensibilidade, a informação, a comunicação, a decisão e a responsabilidade
devem ser compartilhadas entre mãe-mulher, família e profissionais de saúde. O
parto humanizado consiste em um conjunto de condutas e procedimentos que têm
por finalidade a promoção do parto e nascimento saudáveis e a prevenção contra
a morbimortalidade materna e perinatal.
Apesar
de todo o aparato tecnológico de assistência ao parto à nível hospitalar,
verificam-se altos índices de morbimortalidade materna e neonatal, níveis elevados
de cesáreas desnecessárias, esterilizações em massa, baixa adesão ao
aleitamento materno exclusivo, dentre outros.
Considera-se
como alternativa à humanização do parto o restabelecimento do espaço domiciliar
ou as casas de parto e o repensar a mulher como sujeito da parturição.
Na
humanização do parto, deve existir maior preocupação com a subjetividade da
mulher, seus anseios, dúvidas e angústias. O esclarecimento de todos os
procedimentos aos quais esta se submeterá e o auxílio em todos os momentos do
trabalho de parto devem ser priorizados. Devemos lembrar que parir é algo
próprio da mulher, sendo os profissionais apenas facilitadores, constituindo
assim um retorno à antiga abordagem do parto como algo fisiológico e vivencial
do feminino e familiar.
Referências:
A humanização no parto: um estudo bibliográfico - Karla de Abreu Peixoto Moreira, Michell Ângelo Marques Araújo, Maria Veraci Oliveira Queiroz, Maria Salete Bessa Jorge, Consuelo Helena Aires de Freitas.
A humanização e a assistência de
enfermagem ao parto normal - Fernanda Maria de Jesus S. Pires
Moura, Cilene Delgado Crizostomo, Inez Sampaio Nery, Rita de Cássia
Magalhães Mendonça ,Olívia Dias de Araújo, Silvana Santiago da Rocha.